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“Vala de Perus”: um memorial para vítimas da ditadura 

Livro de Camilo Vannuchi apresenta a história oculta de uma busca incansável por justiça e memória das vítimas da ditadura no Brasil  

Por: Elisa Rolim Fonseca, Francisco Laurino Varkala Lanuez, João Vitor Nicolau Menegat, Matheus Dumat Sartori, Rodrigo de Andrade Alves 

Em Vala de Perus: Uma Biografia, Camilo Vannuchi aborda o maior ossário clandestino da ditadura militar. O jornalista narra empreitadas policiais e histórias pessoais que trazem luz ao tema e à trama visceral vivida pelas vítimas das brutalidades do regime. Foram mais de mil vítimas da ditadura. 

A narrativa faz uso de um ritmo cadenciado e de um tom analítico, mantendo a linha cronológica dos fatos. Vannuchi conduz o leitor, com algumas digressões (essenciais para o ritmo), do descobrimento e abertura da Vala até a situação recente das investigações. Por ser um tema histórico, perdido no tempo para muitos, o autor acerta em trazer dados incontestáveis, como as relações de pessoas mortas “em confronto” com a polícia, estatísticas sociais e econômicas dos desaparecidos, verbas destinadas à investigação em cada nova gestão etc. O jornalista, que também leciona na Cásper Líbero, apresenta os contextos políticos para que o leitor lembre – caso tenha conseguido esquecer – dos horrores da ditadura. 

A descoberta da Vala de Perus, como conta o autor, é fruto da pesquisa de Caco Barcellos para o livro Rota 66: a História da Polícia que Mata. Durante a coleta de dados, o jornalista da TV Globo notou um padrão em alguns obituários: grande parte dos mortos pela Polícia Militar, enterrados no Cemitério de Perus, possuíam a letra “T” em seus documentos. “T” de Terrorista. Os dois livros, de Caco e de Camilo Vannuchi, apresentam uma relação de causa e consequência facilmente perceptível pelo leitor. 

A abertura do ossário clandestino ocorreu no dia 4 de setembro de 1990. Mesmo com a presença da imprensa, os brasileiros levariam quase cinco anos até que pudessem assistir as chocantes imagens da abertura dos sacos de ossos. Vannuchi opta por contar, com detalhes, as histórias dos desaparecidos, além da insistência insaciável das famílias em achá-los. A cada “minibiografia” sobre algumas vítimas, o autor busca enlaçar o leitor na trama sem deixar de alertar para uma potencial repetição de fatos semelhantes num futuro sombrio. 

Para cativar o leitor, Camilo utiliza fortemente personagens altruístas. Um deles é Toninho. O administrador do cemitério, que não estava na construção nem sequer tinha qualquer interesse particular na Vala de Perus, queria ajudar, sempre com um “quê” jornalístico nas investigações. As análises e descobertas das ossadas sofreram diversas intervenções, de acordo com as estratégias de cada governo, e apenas cinco desaparecidos foram reconhecidos desde a abertura da Vala, há 43 anos. 

Vala de Perus reforça a importância e o real papel do jornalismo em contar histórias que precisam ser incessantemente lembradas até que, enfim, fiquem marcadas na memória das novas gerações.

Memorial de vítimas da ditadura com frase de Luiz Erundina, feito por Ricardo Othake
Memorial de vítimas da ditadura com frase de Luiz Erundina, feito por Ricardo Othake / Fonte: Arquivo EBC
Vala de Perus: Uma Biografia. De Camilo Vannuchi. Alameda Casa Editorial, 2020, 336 págs., 54 reais