Cidades

São Paulo, monumental

Estátuas que desaparecem sem nenhuma explicação, esculturas que homenageiam figuras peculiares da história brasileira, obras que se escondem silenciosamente nos fundos de casas antigas. Os monumentos espalhados por São Paulo contam a história da cidade como ninguém, mas é preciso saber interpretá-los. Muitos deles marcam pontos turísticos movimentados, mas seus significados não estão à vista de qualquer um. Saiba o que esses notórios monumentos têm a dizer para muito além da pedra e do calcário.

Monumentos do Parque da Luz

Inaugurado em 1825, o Parque da Luz é considerado o parque público mais antigo de São Paulo. Situado logo na saída da estação de mesmo nome, o local se destaca por possuir monumentos, exposições e uma extensa área verde.

No centro do parque, destaca-se um lago em formato de cruz. Ao redor dele, há oito esculturas que representam as quatro estações do ano. Instaladas no fim do século XIX, elas foram criadas a pedido de João Teodoro, o antigo presidente da província paulista.

Lago do Parque da Luz com esculturas em cada margem. Foto: Lukaaz

Em 2016, as oito estátuas desapareceram e deixaram o redor do lago solitário. Como resposta, a Secretaria Municipal da Cultura deu a resposta de que os monumentos foram supostamente vandalizados e retirados para restauração. Divulgaram ainda que o DPH (Departamento do Patrimônio Histórico) se responsabilizou por manter as estruturas seguras. 

Agora, o parque conta com a exposição “A Chacina da Luz”, que relembra o tal desaparecimento e proporciona reflexões sobre o mistério. Afinal, quem roubaria e degradaria obras públicas? Qual é a relevância de patrimônios históricos hoje? 

Parte de um dos monumentos de São Paulo depredados que cercavam o lago do Parque da Luz.
Parte de uma das esculturas depredadas que cercavam o lago do Parque da Luz. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A obra reproduz a maneira como as peças foram encontradas, totalmente danificadas, e incita a conclusão de que a arte, tal como o espaço público, sofre em relação à perda de memória da população.

Monumentos de São Paulo: Arcos do Jânio

Os “Arcos do Jânio”, monumentos que ocupam o declive entre a rua Jandaia e a Assembleia, foram motivo de muitas polêmicas desde a sua inesperada descoberta. Inicialmente batizados com o nome da rua que passa em sua parte superior, os “arcos da Rua Jandaia” foram construídos por imigrantes italianos entre os anos de 1908 e 1914. Com exatamente 21 arcos separados por grossas pilastras, a obra contém o desnível de quase 11 metros entre as duas vias da cidade. 

Ainda que charmosos, a proliferação de sobrados durante a década de 1930 encobriu toda a história da construção. Em 1960, com o projeto de reformulação das vias que interligavam as Avenidas 23 de Maio, Brigadeiro Luís Antônio e a então nova Radial Leste-Oeste, a Prefeitura de São Paulo deu início ao processo de despejo e demolição das casas que ocupavam a Rua Assembleia. Os moradores saíram após receberem suas indenizações, contudo, famílias carentes invadiram as habitações recém-desocupados. 

Monumentos de São Paulo Arcos do Jânio entre a Rua Jandaia e a Avenida Assembleia.
Arcos do Jânio entre a Rua Jandaia e a Avenida Assembleia. Foto: Lukaaz

Esse impasse só foi resolvido em 1987 com a reintegração de posse comandada pelo prefeito (e mais tarde, presidente do Brasil) Jânio Quadros. A demolição das casas permitiu que a luz do Sol tocasse os esquecidos arcos da Rua Jandaia, os quais foram rebatizados em homenagem ao prefeito.  

Outro prefeito, porém, chamou novamente a atenção dos paulistanos ao antigo monumento. Em 2015, Fernando Haddad (PT) autorizou a grafitagem nos arcos em parceria com o DPH, criando um dos maiores corredores de arte urbana da América Latina. A ação suscitou diferentes reações dos cidadãos que passavam ao lado da galeria a céu aberto. À época, uma pintura polêmica que fazia alusão ao presidente venezuelano Hugo Chávez causou enorme alvoroço, o que animou os ânimos ainda mais.

Arcos do Jânio após permissão para grafitagem concedida pelo prefeito Fernando Haddad.
Arcos do Jânio após permissão para grafitagem concedida pelo prefeito Fernando Haddad. Foto: Fernando Pereira / SECOM-PMSP

Por fim, o terceiro prefeito a interferir nos Arcos do Jânio, João Dória (PSDB), pôs fim aos grafites até então expostos. A obra de restauração que durou seis meses e custou aproximadamente 800 mil reais ocorreu em 2017. Hoje, a grande parede de tijolos tombada como patrimônio histórico de São Paulo assemelha-se com sua versão original erguida no século passado pelos imigrantes italianos.

Quem foi Borba Gato?

Se o Rio de Janeiro possui o Cristo Redentor, os paulistanos, nessa eterna discussão bairrista, não poderiam ficar para trás. Hoje, nas adjacências da Avenida Santo Amaro, zona sul da cidade, se ergue a estátua do Borba Gato com a mesma imponência da maravilha carioca, ou quase isso.

Inaugurada em 27 de janeiro de 1963, o mais ilustre morador do bairro de Santo Amaro foi construído de forma “ecofriendly” para a época. O autor da obra, o paulistano Júlio Guerra, ao perceber que sobravam trilhos de bonde na região que estavam cada vez mais  sendo substituídos pelo modal rodoviário, utilizou-os como material, além de argamassa e pedra, e não o bronze, geralmente utilizado em esculturas. Ironicamente, trilhos voltam a rasgar a cidade tantos anos depois, mas, dessa vez, de maneira subterrânea, já que até o próprio Borba Gato ganhou uma estação de metrô para chamar de sua em 2019.

Recorte de jornal com imagem de Júlio Guerra fazendo reparos na mão da estátua de Borba Gato, um dos monumentos de São Paulo.
Recorte de jornal com imagem de Júlio Guerra fazendo reparos na mão da estátua de Borba Gato. Foto: Alesp

Para muitos dos habitantes da capital, o homenageado é apenas um ilustre desconhecido de dez metros de altura. Na realidade, Manuel de Borba Gato (1649-1718) foi um bandeirante, aparentemente como todo homem homenageado em São Paulo, principalmente nos nomes das rodovias. Era genro de Fernão Dias, o mais famoso deles, e só atingiu fama e renome depois de cometer um crime: ao se desentender com Rodrigo de Castelo Branco, fidalgo espanhol que era superintendente da Coroa Portuguesa na exploração de ouro e prata, Borba Gato matou-o e fugiu para os sertões.

No Rio Doce, muito antes de gigantescas companhias mineradoras (e com efeitos ambientais muito menos catastróficos), descobre suas primeiras jazidas de ouro. Teve início, aí, o ciclo do ouro no Brasil. Se o foco até então eram as grandes plantações de cana do Nordeste, passa a ter importância mais acentuada a região das Minas Gerais.

Como pioneiro, Borba Gato desfrutou de grandes benefícios, inclusive o perdão da coroa pelo assassinato de Castelo Branco. Teve papel fundamental na curta Guerra dos Emboabas, disputada entre os paulistas, liderados por Borba Gato, e os considerados forasteiros (ou emboabas): pessoas de outras partes do Brasil que seguiram a notícia de que o ouro havia sido encontrado.

Estátua Borba Gato na Avenida Santo Amaro, monumento de São Paulo.
Estátua Borba Gato na Avenida Santo Amaro. Foto: Paulo Aleixo

Perdeu a guerra, mas veio a falecer apenas alguns anos depois. Uma outra estátua sua está sob a custódia do Museu do Ipiranga, mas não é, nem de longe, tão imponente quanto a que observa o feudo de Santo Amaro. Usado até como palanque nas campanhas das Diretas Já, na década de 1980, muitas pessoas debatem, hoje, se o Borba Gato – e os bandeirantes como um todo – merecem as inúmeras homenagens recebidas se foram grandes assassinos das populações indígenas do Brasil.  Alheia a tudo isso, a estátua continua tomando banhos de chuva ácida na Terra da Garoa.

Monumentos de São Paulo: Obelisco dos Heróis

No dia 23 de maio de 1932, em São Paulo, quatro estudantes foram assassinados em repressão do governo Getúlio Vargas a uma manifestação contrária. Seus nomes: Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo, entraram para a história da cidade como heróis da Revolução Constitucionalista que estourou no mesmo ano, poucas semanas depois.

Não à toa, quem segue pela Avenida 23 de Maio, uma das mais importantes artérias da capital paulistana, se depara com uma enorme construção, o Obelisco dos Heróis: a Excalibur da cidade, sendo a pedra onde está fincada um de seus mais importantes cartões-postais: o Parque do Ibirapuera.

O Obelisco, uma estrutura de 72 metros de altura, é o mausoléu mais imponente da cidade, mais até que os ornamentados do Cemitério da Consolação. Projeto do escultor ítalo-brasileiro Galileu Ugo Emendabili, sua construção teve início em 1947 e concluído em 1970, porém, já havia sido inaugurado em 9 de julho de 1955.

Monumento de São Paulo Obelisco dos Heróis no Parque do Ibirapuera.
Obelisco dos Heróis no Parque do Ibirapuera. Foto: José Cordeiro/SPTuris

Nele, se encontram os restos mortais dos quatro estudantes, além de outros notórios do movimento, bem como 712 combatentes mortos nos conflitos da Revolução Constitucionalista.

O monumento tem, em seu interior, formato de cruz e painéis que contam a história de Jesus Cristo. Abriga uma cripta e três capelas, além de ser impregnado de simbologia. Suas medidas foram pensadas para lembrarem a data de 9 de julho de 1932, data de início da revolução e, até hoje, feriado estadual em São Paulo. A localização defronte à avenida também é simbólica, bem como os 1932 metros quadrados do gramado ao redor, que formam um singelo coração atravessado pela longa construção de pedra.

Frases se encontram em todas as faces do trapézio, formando um poema composto por Guilherme de Almeida, outro famoso ex-combatente, chamado Poeta de 32 e cujos restos mortais também ali se encontram. Voltada para o Parque, próxima à entrada, chama a atenção a frase do jornalista Antônio Benedicto Machado Florence: “Viveram pouco para morrer bem / Morreram jovens para viver sempre”.

Estátua no interior do monumento de São Paulo, o Obelisco dos Heróis, que imortaliza os quatro estudantes da Revolução de 32.
Estátua no interior do Obelisco dos Heróis que imortaliza os quatro estudantes da Revolução de 32. Foto: Dario Oliveira/Estadão Conteúdo

De fato, os quatro estudantes ainda vivem, quase um século mais tarde, imortalizados pelo belo monumento que lhes serve de descanso final.