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“Realidade Revista”, um novo jornalismo em um Brasil diferente

O livro de reportagens da icônica revista da Editora Abril, organizado por José Carlos Marão e José Hamilton Ribeiro, traz histórias reais e emocionantes de um País que lutava por sobreviver a uma ditadura

Por Bruna Beluco, Beatriz Martins, Júlia Noda e Olivia Nogueira

O ano era 1966 e a primeira edição da revista Realidade chegava às bancas. O mundo vivia as tensões da Guerra Fria e o Brasil, os horrores da ditadura militar. No país, somente dois anos depois, a censura, que já existia, se intensificaria e seria assegurada por lei, com o AI-5. A revista, lançada pela Editora Abril em abril de 1966 e que circulou até março de 1976, surgiu com o objetivo de “mostrar o Brasil para os brasileiros”. A publicação contava histórias reais e emocionantes, que retratavam pessoas, momentos e o cotidiano nas cidades e no interior. Mas, acima de tudo, resistia à ditadura e a denunciava, mesmo que de forma contida.

O livro, Realidade Revista, publicado pela Realejo Editora, é uma coletânea feita por José Carlos Marão e José Hamilton Ribeiro das melhores matérias publicadas pela revista. Em prefácio, Marão escreve sobre a rotina na redação da revista, a importância de relembrar os textos publicados e a relevância dos temas abordados na época em que ganharam as bancas. Realidade chegava às bancas uma vez por mês, formato de publicação que não era comum no Brasil. Para manter o interesse em temas que já foram discutidos por outras revistas, as narrativas se tornaram a principal aposta. 

O livro estrutura-se em capítulos e cada um diz respeito a um tema abordado nas matérias. São eles: Política, Interior, Religião, Mulher, Preconceito, Saúde, Juventude, Economia, Personagens, Educação e Mundo, respectivamente. Ao contar as histórias por meio de personagens, o leitor se conecta com o que está lendo, atrelando alguns dos relatos às suas experiências de vida. Quando podemos nos emocionar lendo uma reportagem, cada linha se torna mais interessante. Essa nova forma de fazer jornalismo recebeu o nome de “new journalism”, ou novo jornalismo, ganhando destaque em Realidade, já que não era comum na imprensa brasileira.

Outro destaque do livro são as seções “em off”, que narram os bastidores da escrita e produção da reportagem ou até mesmo uma curiosidade sobre o tema, conferindo uma contextualização para os dias atuais. Para os curiosos e para os jornalistas, saber o processo e o momento em que cada texto foi publicado é um incentivo a mais para conhecer as histórias narradas por tantos repórteres, que fizeram-se presentes sempre que necessário, como em “Eu fui um simples operário”. Publicada no capítulo Juventude, José Hamilton Ribeiro passa a trabalhar como bombeiro em uma fábrica, conhecendo de perto a vida do operário brasileiro.

Muito focada nos novos acontecimentos ao redor do mundo e principalmente no Brasil, Realidade buscava informar o público por meio de momentos impressionantes. No capítulo Saúde, a história contada é a de um transplante de rim. O procedimento era novidade no Brasil e poucos tinham sido feitos no mundo. A revista Realidade escolheu escrever sobre o primeiro transplantado a receber esse órgão no Brasil, enriquecendo o relato com termos e situações que aconteceram durante o procedimento. Para garantir que todas as informações estivessem corretas, a reportagem foi lida e aprovada por um médico da área.

Apesar de ser um livro denso, com muitas informações e reportagens completamente diferentes, retrata muito bem um momento do Brasil. Realidade Revista é uma história contada pela visão dos jornalistas e uma resistência à forma de governo que vigorava à época. É ainda essencial para o aprendizado do jornalismo, tanto nas formas de escrita quanto nas vivências para as produções das reportagens.

Realidade Revista. De José Carlos Marão e José Hamilton Ribeiro (orgs.). Realejo Editora, 2010, 430 págs., 15 reais.