O Olho da Rua
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“O olhar da rua” e do mundo através de Eliane Brum

Por: Lorena Simão Ribeiro e Nathalia Giovanna dos Santos Molinari

A repórter que atravessa a rua de si mesma para olhar a realidade do outro traz um relato sensível de personagens invisíveis em um livro de reportagens especiais.

Cada reportagem é um ato de entrega. Quem diz é uma jornalista que se emociona e vive intensamente as reportagens com seus personagens. Não é preciso ir muito longe nessa descrição para saber que esta resenha é sobre um livro de Eliane Brum, uma das profissionais mais premiadas e celebradas da imprensa brasileira. O Olho da Rua é uma coletânea de dez textos especiais escritos pela repórter para a revista Época entre 2000 e 2008.

Eliane se tornou repórter, bem antes de Epoca, quando estabeleceu pontes entre Brasis, que os grandes veículos não mostram com frequência ou apenas ignoram. Cada texto escrito por ela revela a veracidade dos fatos, como se espera de todo jornalista, e principalmente a lealdade da sua escrita. Ou como ela mesma diz: “Se um dia eu voltar a mesma de uma viagem para o Amapá ou para a periferia de São Paulo, abandono a profissão”.

A jornalista publicou a primeira versão de Olho da Rua em 2008. Já a segunda edição foi publicada em 2017 com uma versão ampliada contendo textos inéditos. É a oportunidade para que a própria repórter traga, ela própria, um olhar atual sobre o texto. Ao rever, anos depois de escrever a reportagem original, a sua escrita, Eliane Brum conta os aprendizados que teve que ajudaram ela a ver com mais clareza onde teve acertos e erros.

Na apresentação do livro, a autora comenta: “Minha única certeza, talvez, é a de que sou jornalista”, fazendo a junção do jornalismo e da literatura. Suas histórias chegam a parecer inventadas de tão ricas em detalhes e diferenciais. Eliane tem o dom de apresentar uma realidade que não nos pertence, transformando o dia a dia de uma simples pessoa em uma grande reportagem. Fala da miséria, da pobreza e de diversas dificuldades que passam despercebidas pela maioria das pessoas mas não para Eliane. “Exerço o jornalismo sentindo em cada vértebra o peso da responsabilidade de registrar a história do presente, a história em movimento”, diz ela.

As histórias de Olho da Rua resultam em uma narrativa fluída e impactante. Em cada texto, a jornalista se renova, trazendo um assunto diferente em cada uma. Em suas reportagens, nota-se a presença de muitas citações, uma forma de trazer a voz dos outros. Mas não só isso. Ela se coloca no lugar do outro, mostrando seu lado emocional e empático , e nos apresentando o melhor da visão para que possamos ver a reportagem da melhor maneira, nos sentindo dentro dela. A repórter faz uma imersão na narrativa, procurando sempre ir mais fundo na informação.

Eliane Brum é uma daquelas repórteres que vai até o local para descobrir e experienciar o que vai contar. Ela já chegou a ficar um mês fora, morando na casa de desconhecidos, num retiro espiritual, num lar de idosos e até em um hospital.

Uma curiosidade sobre Eliane e sua escrita é que em momento algum ela se coloca como uma Deusa na história. Na segunda edição ampliada, ela aponta suas falhas e o quão elas foram importantes para sua formação e seu aprendizado. Para a autora de Olho da Rua, ninguém nasce repórter, se torna. Para ela, essa profissão é muito mais sobre escutar do que falar, já que o silêncio muitas vezes diz mais, muito mais.

Olho da Rua. De Eliane Brum. Arquipélago Editorial, 2017, 305 págs., 79 reais.