
“Capão Pecado”, um bairro que vira personagem
O obra de Ferréz, lançada em 2000, ganhou nova versão em 2020, já atualizada pelo autor, mas mantendo o vívido retrato da realidade dura e violenta das periferias
Por Arthur Alano, Eduardo Brandão, Júlia Darú, Lucas Miyake, Luisa Rubbin, Rebecca D’Angelo e Ricardo Taveira
Capão Pecado, que retrata a dura realidade do bairro Capão Redondo, na zona sul paulistana, foi publicada em 2000 e é um dos destaques da literatura marginal. O romance tem como protagonista o personagem Rael e seu envolvimento com a namorada de seu melhor amigo. Em meio ao conflito da traição, o livro expõe o cotidiano de jovens que lidam com a violência, pobreza e falta de oportunidades.
Ferréz, como Reginaldo Ferreira da Silva assina suas obras, afirma que Capão Pecado é uma homenagem à região em que nasceu. Em vídeo para os 20 anos de lançamento do livro, ele lembra que, apesar de ser uma história ficcional, muitos dos episódios remetem a cenas que presenciou em sua infância e adolescência. Foi a forma que encontrou para denunciar o descaso público e pobreza vivida pelos habitantes da periferia da zona sul.
Essa história simples, baseada em personagens reais, utiliza em abundância linhas curtas de diálogo que diversas vezes ocupam páginas inteiras da obra. A estratégia de apresentar pequenos períodos ajuda na rápida compreensão do texto. Os diálogos ricos em elementos de oralidade transportam o leitor para a cena, que somados às poucas interações do narrador, fazem com que Capão Pecado se pareça com uma novela típica da teledramaturgia brasileira. Mas, ainda assim, o livro é altamente recomendado para profissionais da comunicação que queiram aprender a como contar histórias.
A primeira publicação da obra continha falas e posicionamentos machistas. O próprio autor revelou, posteriormente, um incômodo na forma como ele descreveu as mulheres, que reagiam aos abusos feitos por homens com certa passividade. Na reedição mais recente, de 2020, Ferréz insistiu na reescrita de parte do livro junto à Companhia das Letras, sua nova editora. Ele queria remover a misoginia presente nas páginas originais de Capão Pecado, sem alterar o real sentido da obra. Na segunda versão, ele procura dar mais voz às mulheres.
Outra mudança na nova edição é a inserção do posfácio, “A Volta de Zumbi dos Palmares e de Lampião”, de autoria do escritor pernambucano, Marcelino Freire. Este novo trecho era um antigo sonho de Ferréz que sempre sentiu a necessidade de um olhar nordestino para a sua obra. A periferia paulistana é o destino de muitos nordestinos. Capão Redondo acaba por se tornar o principal “personagem” da obra. É pela organicidade do bairro e sua história que o autor pode contar a história do protagonista Rael. O distrito é o 6º mais populoso de São Paulo, abrigando cerca de 275 mil habitantes, segundo a Fundação Seade. Sua história se inicia no começo do século XX, quando os moradores do centro se dirigiam à zona sul para atividades de caça e pesca perto da represa do Guarapiranga. O bairro e mais os vizinhos Jardim São Luís e Jardim Ângela já foram conhecidos como “triângulo da morte”, por causa dos altos índices de violência. É ela que estigmatizou e continua a afetar os moradores da região, o que Capão Pecado ainda hoje luta para reverter essa realidade.