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“Cabeça de Porco”, a desconstrução dos estereótipos das favelas

No livro, MV Bill, Celso Athayde e Luiz Eduardo Soares produzem uma reflexão sobre o assédio do crime sobre crianças e jovens das comunidades.
Por Talita Mendes, Henrique Lecher, Bianca Rebelo e Giovanne Cury 

O livro Cabeça de Porco, lançado em 2005 por MV Bill, Celso Athayde e Luiz Eduardo Soares. ainda é relevante e atual mais de 18 anos após sua publicação. A obra traz um retrato contundente da realidade das favelas brasileiras, abordando temas como violência, pobreza, desigualdade e estereotipização. 

A obra é dividida em duas partes: uma, composta por relatos reais das experiências que os autores viveram ao longo da produção do livro e a outra, pelas reflexões e análises decorrentes do material coletado. Ao longo da obra, os autores desenvolvem e debatem temas como a criminalidade dentro das favelas de nove estados brasileiros e todo o contexto que rodeia os jovens que se tornam vítimas dela. Acompanhando de perto a vida de moradores, aviõezinhos e donos de bocas, Celso e MV Bill colocam em palavras a subjetividade da situação desses indivíduos, tendo como objetivo despertar a solidariedade e empatia no leitor. 

Na obra, MV Bill e Celso Athayde conseguem representar de maneira subjetiva tudo que viram e vivenciaram nas favelas do País. Essa inserção nas comunidades faz com que os autores tenham propriedade e consigam retratar em detalhes como a vida na comunidade funciona. Os diálogos são fiéis à realidade, com gírias e características regionais da fala dos entrevistados, o que ajuda a dar um tom de realidade à obra. 

MV Bill é rapper, escritor, ator, roteirista e ativista. Nascido no Rio de Janeiro, ganhou o apelido de MV (Mensageiro da Verdade) pelo modo como transmite a realidade vivida nas favelas. Celso Athayde é empresário, produtor de eventos e ativista social especializado em favelas e periferias. É fundador da Cufa (Central Única das Favelas) e CEO da Favela Holding. Completa o trio o antropólogo, cientista e escritor Luiz Eduardo Soares. Subsecretário de Segurança do Rio de Janeiro, Soares é um dos mais importantes especialistas em segurança pública do Brasil. 

Os autores enfatizam como a favela é costumeiramente estereotipada, sem deixar de apontar para a mídia. Se existe uma chance da mudança de percepção desses jovens, vítimas da criminalidade e da polícia, ela deve começar pelos veículos de comunicação. É a imprensa que faz questão de apenas torná-los visíveis quando o assunto é o tráfico de drogas, assassinato ou roubo. Esse estereótipo resulta até mesmo em uma alteração da própria percepção dos jovens, uma crise de identidade que os afetam desde a infância. Apesar das quase duas décadas desde que foi lançado, o livro segue atual, já que desde então as dificuldades permanecem as mesmas nas favelas e comunidades brasileiras. 

Cabeça de Porco se despe da linguagem acadêmica e trata do problema pela raiz, sem filtros e de forma direta para que não haja a desculpa do não entendimento. Ele escancara os problemas sociais que estão debaixo de todos, embora a sociedade se recuse a discutir a fundo esse problema. 

A proposta de Cabeça de Porco não é pregar o fim absoluto e rápido do tráfico, mas pensar em uma transformação gradual. Se não é possível acabar com o tráfico, os autores pregam que se deve competir com ele. Ao oferecer alternativas voltadas para a paz e que beneficiem os jovens, o tráfico deixa de ser uma opção. A solução, ensinam MV Bill, Celso Athayde e Luiz Eduardo Soares, seria “customizar” as políticas sociais, combinar uma política de massas garantindo a individualidade de cada beneficiário. Por meio da arte e cultura, cada um expressa a sua subjetividade e, com a valorização do Estado, se sentem vistos e pertencentes, reduzindo a chance de revolta para quem não tem essa outra escolha. 

Cabeça de Porco. De MV Bill, Celso Athayde e Luiz Eduardo Soares. Objetiva, 2005, 296 págs., 10 reais.