Artistas de rua em São Paulo: entre sonhos e dificuldades
Conheça alguns personagens que alegram o dia a dia da população da cidade
Por Enzo Monzani, Fernando Toledo, Gabriel Fagundes e Vinicius Gobatto
Automóveis, farol fechando, pedestres indo e vindo, correria, vendedores ambulantes, estresse, angústia, trabalho e calor. Essas são as características do cenário que os artistas de rua escolheram como palco. Vivem sobre o jugo de uma linha tênue que separa a realização de um sonho e a possibilidade de efetivá-lo. Superar as derrocadas da vida é, para eles, matéria-prima do ofício.
Mas antes de nos atermos a Street Art contemporânea é necessário, primeiro, tentar situá-la no tempo histórico. Sua origem é imprecisa, mas já na Grécia pré-socrática (século VI a.C.) os aedos homéricos exerciam o canto com costumes populares e lendas, recitavam versos e músicas. O seu caráter consistia, justamente, em compenetrar a plateia para o seu trabalho.
Mais adiante, a partir do século XII, na Idade Média, com o advento da Literatura Portuguesa, cujas obras eram estruturadas em versos e estrofes, poemas passaram a ser declamados em locais públicos — devido à inexistência de jornais e da prensa gráfica —, com o intento de divulgação. E quando eram acompanhados de músicas dava-se o nome de cantigas ou trovas.
Considerado o poeta nobre, o trovador era aquele que realizava apresentações para o clero e para o rei. Já os jograis eram os poetas “plebeus” que se apresentavam diante dos mais pobres. Partindo disso, vamos aos nossos “jograis” vigentes — os artistas de rua em São Paulo, não necessariamente poetas — enquanto não se transformam em trovadores no palco das celebridades.
Música latino-americana
Um desses casos é o de Esteban Barría, chileno que morou em Foz do Iguaçu e voltou a São Paulo há dois meses, que toca Bossa Nova e clássicos latino-americanos. Em seu país natal, estudou engenharia comercial, arquitetura e música, mas se apaixonou mesmo foi pela última, aprendendo a tocar violão. Instrumento este o qual nutre grande afago e lhe possibilita tocar desde a Bossa Nova até o Forró.
Mas nem tudo são flores. Ao ser questionado sobre as dificuldades, logo citou alguns entraves. “A primeira dificuldade é o clima”. Segundo Esteban, “na rua tem certos códigos”: “sempre tem alguém que chega e quer te tirar dali”. Outro problema é a licença: em São Paulo, diferentemente de Curitiba, é possível tocar na rua, “está permitido mais ou menos”. Também já sofreu preconceito. Além de problemas com os guardas, ele relata que foi xingado enquanto cantava música de Chico Buarque. Já foi ameaçado de morte: escutou “você vai morrer” duas vezes.
Apesar das partes negativas, relata que as coisas boas estão presentes diariamente. “As pessoas passam e a maioria gosta”. Perguntado sobre a estabilidade profissional e financeira que a arte de rua proporciona, disse que isso não é possível na América Latina. “Consigo alugar um quarto e me alimentar, mas uma estabilidade econômica, não”. Para ele, a indústria musical “está muito na cabeça das pessoas, elas consideram que alguém que está na rua é uma pessoa de baixo nível”. Diz também que “a indústria musical empobrece o gosto musical”.
Esteban entende que musicalmente não existe diferença entre os artistas de rua e os demais. Há, porém, um ponto fundamental entre eles: o reconhecimento.
Sonhos que se desenham
Outro caso é o do colombiano Álvaro Gamba, que “desenhava desde menino e nasceu com esse talento” e sempre teve amor pela ilustração. Profissionalmente a desempenha faz 12 anos e está no Brasil há cinco. Também trabalha na XV de Novembro há dois anos. Para ele, a rua é quem faz a ponte entre conseguir seu sustento e não ter que depender do aluguel.
Nunca estudou desenho. Aprendeu tudo na prática. Diz que o público reage bem à sua arte: “as pessoas gostam, mas no Brasil não valorizam”. “O brasileiro gosta, mas não investe dinheiro em retratos e caricaturas”. Ele, diferentemente de Esteban, diz que nunca sofreu preconceito. Na Colômbia fabricava sapatos, mas onde trabalhava faliu. Passou, então, a se dedicar inteiramente aos desenhos. Dar aulas gratuitas deles para pessoas que precisam e não podem pagar é um dos seus maiores regozijos. Poder saber que seus alunos estão ganhando dinheiro com aquilo que ensinou…
Álvaro, tal como Esteban, entende que a diferença entre os artistas de rua para os demais é apenas o reconhecimento. Nada além disso!
Além dos casos supracitados é possível conferir tantos outros em diversos locais da capital paulistana. Ponto bastante conhecido para os que desejam expor sua arte é a Avenida Paulista — via mais famosa da cidade, que conta com músicos, artesãos e pintores diariamente.
Aos domingos, ela é fechada para veículos e aberta apenas para os pedestres, que podem conferir uma maior pluralidade de atrações nos gêneros musicais (do rock à eletrônica). Há, também, a presença de caricaturas e comércio de roupas e acessórios. Confira o vídeo abaixo em nosso canal do YouTube:
Próxima estação: o metrô, local bastante utilizado por músicos para as apresentações. Nos vagões das principais linhas é comum se deparar com artistas dos mais variados estilos. Mateus Izaan toca acordeom; Noemí Isaete, conhecida como Dó Ré Mi, toca trombone de vara; e o venezuelano Pote Hidalgo alegra os passageiros com seu violão.
No ABC, mais precisamente no coração de Santo André, há performances de artistas que se fantasiam de super-heróis, como Gustavo e Mário, que também revive personagens clássicos. As possibilidades criativas são infinitas — vão de encontro com a imaginação dos seus performers. Quem ilustra isso é Henrique, músico que criou um instrumento de canos.
E a lei para os artistas de rua?
O que regula a atividade deles em São Paulo é a lei municipal n.º 15.776, de 29 de maio de 2013. Destaque para o artigo 1.º, que é dividido em nove tópicos:
I — permanência transitória no bem público, limitando-se a utilização ao período de execução da manifestação artística;
II — gratuidade para os espectadores, permitidas doações espontâneas e coleta mediante passagem de chapéu;
III — não impedir a livre fluência do trânsito;
IV — respeitar a integridade das áreas verdes e demais instalações do logradouro, preservando-se os bens particulares e os de uso comum do povo;
V — não impedir a passagem e circulação de pedestres, bem como o acesso a instalações públicas ou privadas;
VI — não utilizar palco ou qualquer outra estrutura sem a prévia comunicação ou autorização junto ao órgão competente do Poder Executivo, conforme o caso;
VII — obedecer aos parâmetros de incomodidade e os níveis máximos de ruído estabelecidos pela Lei n.º 13.885, de 25 de agosto de 2004;
VIII — estar concluídas até as 22h00 (vinte e duas horas);
IX — não ter patrocínio privado que as caracterize como evento de marketing, salvo projetos apoiados por lei municipal, estadual ou federal de incentivo à cultura.