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“A República das Milícias” investiga um poder paralelo e sombrio

O livro “A República das Milícias” do jornalista Bruno Paes Manso investiga um poder paralelo e sombrio explorando a realidade das milícias cariocas, desvelando o elo entre segurança, política e criminalidade no Rio de Janeiro

Por Lucas Marra, Gustavo Calmon, Rodrigo Leão, João Germano e Guilherme Pujol

A República das Milícias é uma profunda investigação jornalística sobre um poder paralelo no Brasil. Centrado nas comunidades cariocas, o jornalista e pesquisador Bruno Paes Manso traça a evolução dos grupos paramilitares desde as suas origens: dos esquadrões da morte até o cenário político recente, marcado pela era Bolsonaro.

O livro, lançado em 2020 pela Todavia, começa com uma análise do período da ditadura militar, quando surgiram os primeiros grupos de extermínio, que atuavam com a conivência do Estado. Já a partir da década de 1980, essas organizações se expandiram pelo Rio de Janeiro, onde se transformaram em milícias. Um dos grandes trunfos da obra é essa habilidade com que Manso transita entre o passado e o presente. Numa narrativa fluída, o jornalista convida o leitor a traçar a trajetória desse poder paralelo até sua consolidação como uma força influente e, frequentemente, nefasta.

A ambientação vívida do autor faz com que o leitor se sinta imerso nas favelas cariocas, capturando as tensões e nuances das cenas descritas por ele. Ao considerar a representação cinematográfica, pode-se estabelecer paralelos com Tropa de Elite 2, que critica a interação entre política, forças de segurança e milícias Manso, assim como na obra do cineasta José Padilha, lança luz sobre os desafios da segurança pública e os intrincados laços de poder que permeiam a sociedade carioca.

Com uma combinação de entrevistas, registros e depoimentos, A República das Milícias revela, ainda, o impacto duradouro desses grupos, tornando a obra essencial para quem busca compreender o Brasil contemporâneo. O poder das milícias no Rio de Janeiro refletem os desafios de segurança que o Brasil enfrenta desde a redemocratização nos anos 1980. Esses grupos, muitas vezes compostos por ex-agentes de segurança, inicialmente prometiam proteger comunidades do tráfico. Mas, na prática, muitos se tornaram criminosos, controlando territórios e se infiltrando na política.

No cenário mais amplo da política brasileira, a ascensão das milícias coincide com uma onda de conservadorismo e militarismo. O livro de Manso foi publicado em um momento em que o país se via e se vê cada vez mais polarizado, com debates acirrados sobre segurança pública, direitos humanos e a natureza do poder estatal. Com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018 e revelações de conexões entre sua família e milicianos, esse poder paralelo foi trazido para o centro do debate político. Nomes que ocuparam as páginas do noticiário policial brasileiro, como Fabrício Queiroz, Adriano da Nóbrega e Ronnie Lessa, são esmiuçados pelo autor. A República das Milícias emerge como uma crítica essencial à influência e consequências desses grupos para o futuro da democracia brasileira.

A narrativa de A República das Milícias é potencializada pela voz incisiva do autor, que surge em momentos cruciais inserindo análises valiosas e, por vezes, opiniões contundentes. Manso, hoje pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, se dedica a estudar o tema desde quando foi pautado para produzir uma reportagem sobre chacinas, nos anos 1990, em São Paulo, pela revista Veja. Em vez de ouvir apenas especialistas e políticos, o jornalista decidiu ir a campo, de onde nunca mais deixou de buscar inspiração para seus novos livros.

A República das Milícias. De Bruno Paes Manso. Todavia, 2020, 304 págs., 68 reais.