A influenciadora digital Ingrid Mota
Comportamento Cultura Saúde

A cultura do culto ao corpo

A incessante busca pela perfeição é causa e consequência do que chamamos de idolatria ao corpo, intensificada cada vez mais pelas redes sociais

Por Alexandre Arias, Daniela Soares, Gabriella Capuano, Gustavo Dantas e Luiza Minelly

Redes sociais. Instagram. Desce o feed. A musa fitness acaba de postar uma linda foto de biquíni na praia. O vizinho que faz academia dá dicas de alimentação enquanto exibe o abdômen sarado. Os anúncios promovem roupas dignas de uma silhueta de modelo. A clínica de estética acaba de lançar um novo procedimento modelador. Tudo em nome de sua felicidade.  “Aponte os defeitos e mostre a solução”, sem dúvida um dos maiores lemas da atualidade. O corpo perfeito tornou-se um instrumento de confirmação e influência dentro das mídias, mas em que momento o exibicionismo torna-se refém da padronização estética e se contradiz quando se fala em ‘criar corpos mais saudáveis’?

Ingrid Mota está sempre com o perfil de seu Instagram atualizado, repleto de fotos próprias. “Sempre fui vaidosa e exibida. Cuido do meu corpo porque gosto de me sentir bem, e a exposição nas redes sociais na maioria das vezes só me incentiva a me cuidar mais”, contou a influenciadora, que se dispôs a contar à Factual900 sua relação com o corpo. A cultura da vaidade e do espetáculo é um fenômeno que avança cada vez mais sobre os diversos setores sociais e digitais, provando seu alto e inigualável poder de influência. Ingrid diz muito sobre seu estilo de vida no perfil e busca acompanhar quem faz o mesmo: “Procuro seguir pessoas que têm o mesmo modo de vida que o meu, mulheres que se cuidam, treinam e que se expõem em fotos ou vídeos”. 

Ingrid Mota, Influenciadora Digital. / Foto: Instagram @ingridflamota

O ambiente virtual tem se transformado em uma enorme vitrine de corpos padronizados que recriam diversas outras silhuetas no mesmo molde. A forma de exibição funciona como um negócio, onde os produtos e os produtores são os próprios usuários, cabendo a cada um cuidar e mostrar seu corpo da maneira que bem entender. Mas seria possível isolar essas ações da influência potencializada pelas grandes indústrias da estética?

“Não me vejo concorrendo com outras mulheres nas redes sociais, só me inspiro na beleza e na forma de viver de muitas”, conta Ingrid. Apesar da personalidade bem resolvida e do discurso de autoafirmação da influencer, muitos homens e mulheres acabam encurralados pela pressão da imagem e, determinados a competirem nessa maratona sem fim, desenvolvem diversos problemas de auto-aceitação que desencadeiam transtornos físicos e mentais.

O culto ao corpo nas redes sociais

É surpreendente a maneira como a mídia influencia os gostos e comportamentos humanos. O bombardeio cotidiano de imagens e textos que ‘educam’ os corpos, mobilizam uma incansável tentativa de alcançar a ‘perfeição’, muitas vezes divulgada como superior e necessária. Padrões estéticos sempre fizeram parte da construção social humana, e representam diferentes momentos na história. O problema surge quando a ideia de felicidade passa a se atrelar com o culto ao corpo perfeito, questão muito mais intensificada com o surgimento das redes sociais. Assim, quem não se encaixa nos padrões sofre uma eterna pressão para atravessar a linha de chegada de uma corrida que fica a cada dia mais longa e difícil.

A maratona começou cedo para Beatriz Silva*, que começou a desenvolver transtornos alimentares e distorção da autoimagem com apenas 12 anos. A publicitária passou a comparar seu corpo com o das outras meninas, e sentia-se totalmente desconfortável com isso. “Comemorei quando fiquei doente porque emagreci cerca de 5 quilos em uma semana, e continuei comendo pouco para manter o peso. Minha imunidade baixou e minha pressão baixava constantemente na academia, já quase desmaiei várias vezes. Mas eu estava feliz porque estava magra”, conta.

Beatriz demorou muito para admitir e reconhecer o problema em si mesma e, mesmo quando o fez, decidiu por não procurar por uma ajuda profissional. É essa a questão problematizada por Marina Nogueira (@naocontocalorias), nutricionista que trabalha com uma abordagem não prescritiva. “Como vivemos numa sociedade onde o culto ao corpo é exacerbado e o ‘comer perfeito’ é uma forma de adequação social, muitas não percebem ou não querem se tratar por medo de uma ‘perda de controle’ sobre o que comem ou sobre o peso do corpo. Comportamentos típicos de alguns transtornos alimentares são vistos como ’normais’ e até como ‘esperados’ pela sociedade e, sobretudo, nas mídias sociais. Alguns exemplos desses comportamentos são as dietas restritivas, o ‘dia do lixo’, a prática de atividade física para ‘queimar’ o que a pessoa comeu de ‘errado’, ou o detox. Quando o sofrimento e a angústia tomam conta de quem sofre do transtorno (ou quando a vida é posta em risco), aí a procura por ajuda aparece”, conta Marina.

Todo o trabalho da nutricionista exige um acompanhamento terapêutico e psicológico no caso de pacientes com transtornos alimentares, caracterizados como disfunções do comportamento alimentar e da imagem corporal. A vinculação da ideia do corpo como produto nas redes sociais é uma preocupação também de profissionais como Marina, porque a exigência de um corpo ideal tem se tornado o primeiro requisito para a felicidade. “O que as pessoas não percebem é que, a cada época, esse corpo (ou essa felicidade) tem um tipo físico. Portanto, nunca alcançaremos esse apogeu. Além disso, o corpo como um produto gera a falsa ideia de que somente o corpo ‘ideal’ é o saudável, afastando cada vez mais a população de discussões sobre saúde e bons hábitos alimentares, além de uma boa saúde mental”, analisa.

Silhuetas consideradas ‘dentro dos padrões’ ou, para os mais ousados, ‘perfeitas’, também sofrem com as pressões estéticas, que distorcem cada vez mais a imagem individual dos corpos. Paula Antunes é modelo, mas sente-se constantemente forçada a conquistar um corpo cada vez mais magro que se torne digno de comparação com aqueles vinculados nas mídias. “Embora eu seja uma mulher magra, desenvolvi diversas paranóias em relação ao meu corpo”, conta a manequim.

Body positive x culto ao corpo

“É bem difícil lutar contra isso com tantos meios de comunicação ainda propagando corpos muito distantes da realidade da maioria dos corpos. Então eu venho tentando consumir um conteúdo mais real”. A fala é de Ana Luiza Iost, que enfrenta a bulimia e a anorexia desde 2014.

O sentimento de não pertencimento provocado pela intensa padronização e exposição de corpos perfeitos tem diversos efeitos que excluem as silhuetas que não se encaixam. Danieli Piffer também sofre constantemente na luta para se encaixar na estética atual. “Eu nunca consigo me ver representada porque todas as revistas e manequins são magras. Não sinto que exista espaço para mim na moda ou na sociedade”, desabafa.

As redes sociais desgastaram as diversas relações entre o social e a expectativa estética, mas, recentemente, o ambiente vem demonstrando uma luz no fim do túnel com certo espaço de manifestação corporal livre, que preza pelo amor próprio e pela quebra das amarras da padronização. Corpos gordos ou fora dos padrões sempre foram vistos como não dignos da felicidade que corpos magros e modelados ‘teoricamente’ proporcionam. Por isso, hoje, muitas personalidades utilizam da mídia para provar que o bem estar independe do tamanho, representando o conteúdo real que mulheres como Ana e Danieli tanto sentem falta.

Layla Brigido, Influenciadora Digital. / Foto: Instagram @laylabrigido

“Hoje enxergo meu corpo como possibilidade, minha casa, meu templo. Mas logo quando engordei via ele como meu maior inimigo! Eu era padrão antes de enfrentar um câncer e passar pela quimioterapia, então, quando engordei, tentei sim voltar ao que era por um tempo”. A fala é da influencer Layla Brigido (@laylabrigido), que desempenha um papel fundamental na quebra dos padrões corporais. No passado, a modelo plus size que, assim como grande parte dos usuários de redes sociais, enfrentou problemas de aceitação estética, hoje exibe seu corpo para seus mais de 50 mil seguidores.

Tal afirmação corporal, no entanto, foi conquistada durante o momento conturbado do mundo da moda, visto que o mercado plus size ainda parece ser um ‘tabu’. A Victoria Secrets anunciou sua primeira modelo do gênero apenas em 2019. Fato é que a moça exibia um corpo cheio de curvas e isso gerou certo alvoroço nas redes, levando pessoas aos nervos com a classificação estabelecida pela marca. Para Layla, o mercado para pessoas acima do peso é atrasado, sendo difícil encontrar roupas que se adequam a todos os corpos: “O mercado plus size não vem acompanhando o mercado slim, ele demorou muito mais a crescer e ainda é atrasado, sendo assim, a pessoa gorda – que sempre existiu – demorou mais a ser vista”.

A influencer Layla ainda comentou sobre a necessidade de se adaptar às peças de roupa que são oferecidas: “Outro ponto é sobre o reforço e a necessidade de “parecer mais magra” nas peças, as dicas seguem sempre voltadas a isso, disfarçar seu corpo, alongar, parecer mais fina. Parece inofensivo “usa quem quer”, mas a verdade é que existe muita gente que se torna refém disso. Somos ensinados que pro look parecer bom é preciso que ele “nos emagreça”.”

Tão importante quanto aceitar o próprio corpo é de alguma forma levar outras pessoas a fazerem o mesmo. Ignorando comentários maldosos e seguindo a jornada de influencer, Layla conta que o retorno positivo é a melhor forma de recompensa por seu trabalho nas redes. “Recebo muitas mensagens de mulheres que se identificam comigo e com o que abordo! Tem algumas que dizem “depois que te conheci eu uso tudo que quero”. Isso é lindo, me emociona, outras dizem que se sentem incríveis lendo meus textos. Eu fico muito muito grata e emocionada, porque eu sempre quis mostrar que foi possível pra mim e é pra elas também”, relata a modelo.

É incomum abrir o aplicativo do Instagram e encontrar no feed corpos tidos como fora do padrão. Certamente existem diversas pessoas que precisam do ‘empurrãozinho’ que a influenciadora está disposta a dar, em uma relação de troca positiva: uma parte recebe o apoio rumo à auto-afirmação corporal; a outra recebe o carinho necessário para seguir influenciando novas “Laylas”.

Confira também o Podcast que a Factual 900 preparou sobre o assunto.